Mudanças

Entro receoso, olhando para os lados e observando cada detalhe. Confesso que estava envergonhado, mas uma vez tomada a decisão não poderia voltar atrás. Tomo coragem e me dirijo à dona do salão de cabeleireiro: “Olá moça, queria cortar meu cabelo”.

Ela me senta na cadeira estofada, macia, ergue até o máximo movimentando com uma “penivela”; afinal, não é possível que exista manivela de pés. A altura ainda não está boa, afinal só tenho nove anos. Ela coloca uma almofada e manda eu sentar novamente. Agora sim, estou até me vendo naquele espelho lindo. Minha mãe me observa de longe, sem se aproximar muito, já me deixando andar sozinho. Então, escuto a frase, ou melhor, a pergunta que muitas vezes seria feita para mim, e certamente para você também: “Bem, vamos lá, como você vai querer o seu corte de cabelo?”. Eu, sem hesitar, uma vez que já tinha treinado muito em casa, respondo: Chanti atrás e igualzinho o do John Travolta. Ela sem hesitar também responde:

“Deixa comigo você vai ficar lindo! Nossa como você tem cabelo! Vou até usar esta tesoura de tirar volume aqui em cima”. E por aí vai.

Confesso que não fiquei nem de longe parecido com o John Travolta do filmeGrease, que foi febre em 1979, mas como fiquei feliz em ter cortado, pela primeira vez na vida, meu cabelo num salão.

As coisas mudam, eu sei, e como mudam… Algumas você descobre rápido, e rápido se adapta às mudanças; outras, levamos anos para saber, para perceber. Por exemplo, mudei o tipo de xampu somente aos 25 anos, pois até então achava que meus cabelos eram secos e não oleosos. Pensava que estávamos falando da textura, da grossura, sei lá. Mudei, mudei o tipo de escova dental. Demorei uns 30 anos. Tinha certeza que as de cerdas duras escovavam melhor. Aliás, achava que era com força que limparia melhor os dentes. Hoje sou um feliz adepto das cerdas macias, limpam bem e não machucam mais minhas gengivas.

As coisas mudam tanto… a minha voz continua a mesma, mas os meus cabelos… quanta diferença!

Chego no salão apressado, afinal tenho uma reunião importante à tarde, tive uma manhã complicada e aproveito a brecha que tenho no almoço para cortar os cabelos. Confesso que nem reparei em qual salão entrei e tampouco tenho preferência pelo cabeleireiro. E não tenho vergonha, acho que ela se foi juntamente com meus cabelos. Agora, aos 38 anos estou bem careca e me pergunto: “Será que aquela maldita tesoura de tirar volume mudou algo em mim? Será que o que sobrava naquela época é o que me falta hoje? Sento na cadeira estofada, o cabeleireiro aperta um botão e ajusta a cadeira. Ufa! Não preciso mais sentar em almofadas”.

Ele então faz a pergunta. Aquela que eu e você conhecemos.

Aquela que para mim, careca, apressado, estressado e com a tolerância zero, soa diferente.

Mas mesmo assim ele a faz: “Bem, vamos lá, como você vai querer o seu corte de cabelo?”. Eu, sem hesitar, respondo: “Em silêncio”.

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